quarta-feira, janeiro 31, 2007

Tudo por um pastel...

Sentei-me no silêncio da sala, fechei os olhos por um pouco... Desde ontem que aquela entrada no tal blog não me saía da cabeça: seria a realidade mesmo assim? A vida seria tão cruel que um pobre mendigo, após uma semana inteira a juntar dinheiro (uns míseros - dizemos "nós" - 0,80€) para poder dar um conforto à alma e ao corpo e comprar um simples pastel de Belém com direito ao "pack" completo de canela e açúcar, veria o sonho tão próximo de se realizar, desfazer-se em fracções de segundo por um safanão que lhe deitou o pastel ao chão? Seria a vida tão injusta que, mesmo estando o mendigo disposto a apanhar do chão o seu doce (havia já passado por coisas piores), um descuidado pé esborracharia certeiramente aquele creme amarelo ainda quente...
Não, não podia ser! Era o autor do texto que estava a ser cruel (afinal era uma história inventada, apesar de todos os pormenores realistas).
Porquê? Porque não haveria aquele homem de ter o seu breve momento de reconforto? Quantas pessoas só encontram felicidade e conforto com a realização de necessidades vazias, fúteis, e aquele pobre homem só pedia um pequeno doce - que cabe tão bem na palma de uma mão - para esquecer as dores do estômago (que tantas vezes havia passado fome) e da mente.
Comentei a minha indignação. Responderam-me: «Tu não estás habituada a esta realidade, pois não? Não sabes como são os vagabundos de Lisboa? Eu visualizei claramente a cena descrita por ele, enquanto lia!»
Mais perguntas invadiram a minha já tão confusa cabeça: Estaria eu envolta numa redoma, longe desta realidade, longe da verdadeira realidade?! Seria a Lisboa que eu tanto admiro, assim mesmo? Cheia da pobres pedintes, fitando com os olhos brilhantes - por vezes molhados em lágrimas - as montras gulosas e apetecíveis das pastelarias? Pior! Seria a minha magnética Lisboa, a minha sociedade, o mundo de que faço parte, um local onde os que têm muito podem realizar os seus mais fúteis caprichos e aqueles "pobres diabos" (porquê chamá-los de "diabos"?) que só desejam algo tão pequeno vêm o seu "paliativo" esmagado?
Custa-me tanto a admitir que a verdade seja esta, fere-me como se fosse eu mesma aquele mendigo vendo o "meu" pastel desfeito no chão brilhante acabado de lavar e os bolsos vazios de dinheiro para poder comprar outro...
Mas talvez eu também seja um desses superficiais, egoístas, fúteis, que perante uma mão estendida viram a cara e, até!, murmuram entre dentes um resmungo. Afinal que fiz eu para mudar isto? Escrevi um post?! Não vai de certeza devolver o doce ao mendigo ou dar-lhe mais um cobertor nesta noite fria...
Uma lágrima amargurada aparece. Quem me dera que fosse diferente... Quem me dera que ao menos por uma vez os mendigos tivessem o seu pastel...